08/05/2023

Relatório destaca ameaças legais à liberdade de imprensa mundial

A pesquisa revela dificuldades dos jornalistas e sua influência na liberdade de imprensa global

O estudo, intitulado “Weaponizing the Law: Attacks on Media Freedom”, identifica oito principais desafios legais enfrentados pelos jornalistas e destaca a necessidade de proteger a liberdade de imprensa e garantir que os jornalistas possam realizar seu trabalho sem medo de retaliação legal ou física.

Os resultados foram obtidos com base em pesquisas globais e na experiência de quase 500 jornalistas da rede da Thomson Reuters Foundation.

Ameaças legais aos jornalistas

As principais ameaças legais enfrentadas pelos jornalistas em todo o mundo foram identificadas em uma nova publicação. Entre elas estão: difamação criminal, leis de segurança nacional, leis de privacidade, leis de discurso de ódio e leis de cibersegurança.

Além disso, também são apontadas como ameaças legais: leis de acesso à informação, leis antiterrorismo e leis de propriedade intelectual.

Segundo o relatório, essas ameaças legais são usadas para silenciar reportagens de interesse público e exercer controle sobre a mídia.

John Farley, editor da web da MetroFocus, preso durante protestos do Occupy Wall Street enquanto fazia matéria sobre jornalismo cidadão. Foto: Sam Lewis (MetroFocus)

A pesquisa divulgada ainda aponta que mais de 40% dos jornalistas que participaram do estudo relataram ter enfrentado essas ameaças em suas carreiras.

“A liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais da democracia e deve ser protegida em todos os momentos.” destaca o relatório.

Um caso citado é o do jornalista peruano Christopher Acosta. Acosta é chefe de investigações da estação de televisão Latina Noticias, em Lima, Peru foi condenado a dois anos de prisão e multa de US$ 100.000 por difamação em janeiro de 2022.

O processo foi motivado pelo livro de Acosta intitulado “Money Like Popcorn: Secrets, Impunity, and the Fortune of César Acuña”, no qual ele alegou que Acuña estava envolvido em compra de votos, desvio de fundos públicos e plágio.

Christopher Acosta, o editor de investigações do Latina Noticias e autor do livro “Dinheiro como Pipoca: Segredos, Impunidade e a Fortuna de César Acuña”, juntamente com Jerónimo Pimentel, diretor da Penguin Random House Peru, foram condenados por difamação do político César Acuña em 10 de janeiro de 2022. Foto: Reprodução Instagram.

Esse tipo de intimidação tem um impacto negativo na liberdade da imprensa e na capacidade dos jornalistas em realizar reportagens críticas e investigativas sobre questões importantes do interesse público, afirma também o relatório que levou em consideração o jornalismo ao redor do mundo.

Isso porque o uso desse tipo de leis sobre difamação são a principal ferramenta usada para processar jornalistas em todo o mundo, com mais de 60% dos casos registrados envolvendo acusações de difamação.

Impactos na liberdade de imprensa ao redor do mundo

Outro apontamento feito pelo relatório é sobre o impacto dessas ameaças no trabalho jornalístico ao redor do mundo.

Com reportagens cada vez mais no centro de disputas judiciais, tanto os jornalistas quanto os veículos que trabalham acabam sofrendo com a judicialização de suas matérias.

Gaceta Wyborzca também é mencionada como um exemplo desse tipo de ação: um dos principais jornais diários da Polônia, ele tem sido alvo de pelo menos 90 processos judiciais desde que o partido governista Lei e Justiça (PiS) chegou ao poder em 2015.

A sede da Gazeta Wyborcza em Varsóvia, 2019. Foto: Adrian Grycuk.

Além disso, a falta de transparência e a opacidade do sistema judicial em muitos países tornam difícil para os jornalistas contestarem as acusações contra eles ou obterem justiça quando são alvo de retaliação legal.

Outras formas de retaliação

A intimidação da imprensa também tem sido feita através do uso de leis antiterrorismo. Mais de 30% dos casos registrados envolvem acusações relacionadas ao terrorismo.

Nos Estados Unidos, o governo tem utilizado a Lei de Espionagem (Espionage Act) de 1918 para processar jornalistas que publicam informações confidenciais vazadas por fontes governamentais.

Em 2022, por exemplo, houve prisões de jornalistas registradas por duas organizações distintas. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) registrou 363 jornalistas presos ao final do ano, enquanto a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) registrou 533 casos utilizando uma metodologia diferente.

Jornalista americano Danny Fenster condenado a 11 anos de prisão em tribunal militar de Mianmar por violação de visto, associação ilegal e incitação. Ele foi solto 176 dias depois, e é um dos cerca de 100 jornalistas detidos desde o golpe de 1º de fevereiro. Cerca de 30 permanecem presos. Foto: Danny Fenster.

A prisão, de acordo com o estudo, é uma das formas mais graves de retaliação por parte do poder público no cerceamento do trabalho da imprensa.

O relatório aponta que governos utilizam leis vagas para criminalizar o trabalho dos jornalistas e restringir a capacidade de investigação e reportagem sobre questões relevantes, como é o caso da Turquia, em que o governo tem usado leis antiterrorismo para prender jornalistas e fechar meios de comunicação críticos ao governo.

O estudo destaca que “[…] os governos estão usando cada vez mais a lei como uma arma para silenciar a mídia crítica e restringir a liberdade de imprensa.”

O texto também destaca que é necessário que o poder público proteja os direitos dos jornalistas e garanta a realização do trabalho sem retaliações legais ou físicas.

Para as jornalistas, as dificuldades são maiores

O relatório também destaca que as mulheres jornalistas enfrentam desafios adicionais em relação aos seus colegas do sexo masculino. Isso se dá, principalmente, ao considerar que assédio sexual e violência online, que muitas vezes são usados como táticas para silenciá-las, tem aumentado.

A jornalista Juliana Dal Piva, do UOL, foi alvo de um processo judicial movido pelo advogado Frederick Wassef, que representava, à ocasião, a família Bolsonaro. Foto: Lucas Lima (UOL)

A jornalista Juliana Dal Piva, do UOL, foi alvo de um processo judicial movido pelo advogado Frederick Wassef, que representa a família Bolsonaro.

O processo a acusava por ter divulgado mensagens que mostravam declarações e ameaças feitas por Wassef contra a jornalista.

No entanto, em 20 de abril, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveu Dal Piva da condenação e manteve a condenação de Wassef de indenizar a jornalista por danos morais em R$ 10 mil.

Frederick Wassef, antigo advogado da família Bolsonaro, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a indenizar a jornalista Juliana Dal Piva em R$ 10 mil por danos morais. Foto: Igo Estrela (Metrópoles).

A decisão também revogou a condenação de Dal Piva a indenizar o advogado por ter divulgado prints das conversas entre eles

Além do assédio, o relatório aponta para a subrrepresentação feminina na mídia, somado às enfrentam barreiras adicionais para acessar cargos de liderança e oportunidades de carreira.

O exercício do jornalismo no Brasil

O relatório também menciona o cenário brasileiro de jornalismo no qual se destaca que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores usaram a lei para silenciar a mídia crítica e restringir a liberdade de imprensa no país.

A relação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa foi marcada por conflitos e tensões desde sua posse em janeiro de 2019.

“Presidente segura edição impressa da Folha na porta do Palácio da Alvorada e nega interferência na PF, chamando o jornal de “canalha”. Foto: Pedro Ladeira (Folhapress)

Ele adotou uma postura hostil em relação à imprensa, frequentemente atacando jornalistas e veículos de comunicação em suas redes sociais e em entrevistas coletivas.

Bolsonaro acusou a imprensa de promover uma campanha contra seu governo e de espalhar “fake news” a seu respeito, chegando a chamar jornalistas de “canalhas” e “patifes”.

Seu governo também reduziu a verba destinada a publicidade oficial em veículos de comunicação e dificultou o acesso da imprensa a informações governamentais.

Verba para publicidade oficial em veículos de comunicação reduzida pelo governo Bolsonaro, dificultando o acesso da imprensa a informações governamentais. Foto: Marcos Corrêa (Presidência da República)

O relatório também relata, sem divulgar nomes, que um dos homens mais ricos do Brasil entrou com pelo menos 37 processos judiciais contra jornalistas e organizações de mídia que expuseram suas ligações com o governo Bolsonaro.

“Os ataques à mídia independente são uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito”, reforça o estudo

De acordo com o divulgado pelos autores, os jornalistas brasileiros enfrentam ameaças crescentes de violência física e online, especialmente aqueles que cobrem questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado.

Proteção da liberdade de imprensa

O relatório “Weaponizing the Law: Attacks on Media Freedom” destaca a importância da liberdade de imprensa e os desafios enfrentados pelos jornalistas em todo o mundo.

A jornalista Guevara al-Budairi foi detida pela polícia israelense enquanto cobria as demonstrações de solidariedade com o bairro Sheikh Jarrah. Foto: Aljazeera.

Quando os jornalistas não conseguem realizar seu trabalho livremente e sem medo de retaliação legal, a sociedade em geral pode sofrer as consequências, é outro apontamento do relatório.

As ameaças legais representam uma ameaça significativa à liberdade da imprensa em todo o mundo.

O relatório também destaca que a liberdade de imprensa é essencial para a democracia e é importante que governos, organizações internacionais e a sociedade civil trabalhem juntos para proteger a liberdade da imprensa e garantir que os jornalistas possam realizar seu trabalho sem medo de retaliação legal ou física, a fim de que a imprensa continue a desempenhar seu papel fundamental na sociedade democrática.