A Prefeitura de Taboão da Serra (SP) reduziu em 63,6% o valor destinado a ações de prevenção a desastres naturais, como enchentes, passando de pouco mais de R$14 milhões em 2023 para R$5,1 milhões em 2024.
Um levantamento exclusivo feito pela tab_jornalismo mostra que o governo Aprígio (Podemos) destinou R$8,9 milhões a menos para os programas que cuidam dessas ações, como o Programa de Prevenção e Redução de Risco e Desastres e o Programa de Gestão Integrada do Saneamento, de responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente.
De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada em janeiro de 2024, só o Programa de Prevenção e Redução de Risco e Desastres teve redução de R$886,5 mil em 2023 para R$ 86,8 mil esse ano, 90,1% a menos para as ações do programa, que também garante a operação e compra de bens para Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros e o monitoramento de áreas de risco da cidade.
A LOA é uma lei elaborada pelo Poder Executivo que determina as despesas e receitas previstas para o próximo ano. Por meio dessa lei, é feito o planejamento de gastos que define as obras e serviços prioritários para o município, considerando os recursos disponíveis.
Por que isso é importante?
A redução e priorização de recursos pode comprometer a agenda ambiental do governo Aprígio, em meio a uma crescente urgência por mais ações de mitigação às mudanças climáticas, influenciada especialmente após a tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano.
No início deste mês, o The Intercept Brasil revelou que as consequências das mudanças climáticas no Sul do país já eram previstas no relatório Brasil 2040, encomendado em 2014 pela então presidente Dilma Rousseff ao custo de R$ 3,5 milhões.
O documento, que inclui uma série de estudos produzidos por ao menos 6 institutos de pesquisa, indicava um possível aumento de pelo menos 15% a 25% nas chuvas exatamente nas áreas afetadas pelas cheias deste ano e recomendava ações e investimentos em infraestrutura. Acesse a íntegra do estudo no Pinpoint da tab_jornalismo.
Igualmente, de acordo com matéria do jornal Folha de S. Paulo, quase 500 normas ambientais foram alteradas pela gestão do governador Eduardo Leite (PSDB), que foi acompanhada por um afrouxamento da política ambiental do governo federal e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), à época comandado por Ricardo Salles.
Nesse contexto, o Guia de Ação Local Pelo Clima, lançado em 2016 pelas iniciativas Governos Locais Pela Sustentabilidade (ICLEI) e Programa Cidades Sustentáveis, destaca o papel dos governos subnacionais, como as prefeituras, na mitigação das mudanças climáticas.
Entre as medidas sugeridas pelo Guia estão investimentos na melhoria da integração e distribuição do transporte público local, visando reduzir o fluxo de carros, a ampliação da malha cicloviária e a implantação de áreas verdes na cidade.
No entanto, até o momento, essas ações não foram colocadas em prática pela prefeitura de Taboão da Serra, sendo que o orçamento para ampliação de áreas arborizadas na ciade também foi reduzido, e a única ciclofaixa do município foi desativada pelo ex-prefeito Fernando Fernandes, dificultando ainda mais a implementação das medidas.
O que dizem os números?
Em Taboão, o programa de Gestão Integrada do Saneamento teve um corte de 58,9% no orçamento para ações de combate a enchentes e alagamentos, passando de R$11,6 milhões em 2023 para cerca de R$4,7 milhões em 2024.
Junto ao manejo de lixo da cidade e da implantação de ecopontos, que fazem parte do mesmo programa, o desassoreamento de rios também foi reduzido: o corte foi de R$1,07 milhão, o que deixou a ação com cerca de R$1 mil, 99,9% a menos que no ano passado – a maior redução analisada pela reportagem.
Outro programa que sofreu cortes foi o de Prevenção e Redução de Risco e Desastres, com uma redução de 90,1%. Em 2023, o orçamento para suas ações, como a aquisição de bens para defesa civil e corpo de bombeiros, era de R$886,5 mil, enquanto em 2024 esse valor caiu para R$86,8 mil.
O programa também é responsável por “ações que minimizem situações de risco ou vulnerabilidades ocasionadas por eventos extremos”, de acordo com a própria descrição presente na LOA, além de ser responsável por “mapear áreas de riscos ambientais, intervir nos casos de risco em edificações vulneráveis”, além de “articular ações de alerta à população”.
Na mesma esteira de cortes, o programa de Fortalecimento do Planejamento e da Gestão Ambiental, responsável pela recuperação das áreas verdes da cidade, teve seu orçamento reduzido em 46,7%. O orçamento, que era de R$411,5 mil em 2023, passou para R$219 mil em 2024, marcando a segunda redução em três anos, já que o programa tinha reservados R$808 mil em 2022.
O que estão dizendo?
Pedro Luiz Côrtes é professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) e desenvolve pesquisas no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a mitigação das mudanças climáticas.
Para Côrtes, o enfrentamento às consequências dessas mudanças não é possível sem recursos públicos, além de ser necessário um levantamento de informações sobre quais são os riscos envolvidos dentro do município.
“É [preciso] um plano de análise de risco para identificar quais são os principais riscos, então [quais] áreas são sujeitas a alagamentos, enchentes, […] a deslizamento de encostas, e pra isso precisa de recurso[…]”
Côrtes também lembra que o período eleitoral tem influência tanto no direcionamento do investimento público quanto na realização de obras de infraestrutura voltadas para o tema.
“A redução de recursos vem dentro ótica que, infelizmente, acaba prevalecendo [de] os políticos transferirem […] dessas áreas prioritárias para a realização de obras que sejam mais vistosas, que sejam mais aparentes para a população, especialmente em períodos pré eleitorais.”
Valter Caldana, que é professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também ressalta que políticas de prevenção são essenciais, especialmente em áreas de risco. Isso porque esses locais normalmente já dependem de mais atenção e investimento, além de cuidados constantes voltados à mitigação de efeitos.
“[…] Qualquer alteração, por exemplo, orçamentária, gera efeitos […]. Se não no curto [ou] curtíssimo prazo, gerará efeitos graves no médio prazo e gravíssimos no longo prazo.”
Para Caldanha, embora custosa, a política de manutenção e prevenção nessas áreas é fundamental, ainda que possa exigir maiores investimentos do poder público.
“[….] Há [uma] necessidade de se fazer políticas públicas permanentes, inclusive para a reurbanização.”
Côrtes também indica um exame das propostas de campanha dos candidatos à eleição na cidade como forma de acompanhar a preocupação dos políticos com a questão climática no município.
Entramos em contato com a assessoria da prefeitura para um posicionamento e até o fechamento da reportagem não obtivemos um retorno. O espaço segue aberto para um posicionamento.