Dados da Fundação SEADE indicam que houve um aumento de 14% nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo em Taboão da Serra, entre os anos de 2021 e 2022. Em 2022, o município registrou um total de 24 casamentos desse tipo, mesmo número registrado esse ano, que ainda não teve os dados finalizados.
Embora Taboão tenha o maior número total de casamentos homoafetivos, outros municípios da região também tiveram mais registros de casamentos homoafetivos. Itapecerica da Serra, por exemplo, teve o maior aumento percentual da região, 28,5%, indo de 7 para 9 casamentos entre 2021 e 2022, enquanto em Embu das Artes teve 17 casamentos, um crescimento de 13,3% no mesmo período.
O aumento nos números de casamentos de pessoas do mesmo sexo na região ocorre ao mesmo tempo em que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 580/2007, que altera o código civil para que, nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pudesse se “equiparar ao casamento ou à entidade familiar”.
O texto, baseado em outro projeto, o PL 5.167/2009, foi alterado pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE), que é relator do projeto desde março deste ano, e foi aprovado na terça-feira (10) pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família por 12 votos a 5, e agora segue para duas novas comissões antes de ir para votação no plenário da Câmara.
Por que isso é importante?
Atualmente os casamentos homoafetivos no Brasil não são regulamentados por lei específica, mas têm respaldo em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011. Na prática, isso significa que a mudança proposta no projeto de lei poderia revogar ou limitar o reconhecimento legal dessas uniões como entidades familiares.
A alteração proibiria qualquer união entre pessoas do mesmo sexo, restringindo o reconhecimento legal de seus relacionamentos como “casamentos” ou “entidade familiar”. Em vez disso, oferece a possibilidade de constituírem uma “união homoafetiva” apenas para fins patrimoniais, o que poderia afetar seus direitos e benefícios legais.
Entre os pontos que causaram polêmica na sessão que aconteceu no dia 10 desse mês na Câmara está o uso de termos considerados “homofóbicos” e “preconceituosos” usados por Eurico em seu relatório, além dos possíveis efeitos jurídicos sobre convênios médicos, heranças e guarda de crianças de casais homoafetivos.
A movimentação em torno do projeto e a aprovação do relatório, no entanto, surge como ponto de pressão entre governo e oposição na Câmara, que tem na chamada “pauta dos costumes” um dos temas que mais divide deputados.
Contexto geral
A questão da validade do casamento entre pessoas do mesmo sexo voltou ao debate depois que a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, começou a apreciar o Projeto de Lei (PL) 580/2007.
O projeto é relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE), que em seu parecer rejeitou a redação anterior do PL, originalmente proposto pelo deputado Clodovil Hernandes (à época PTC-SP). Em seu lugar, o deputado aprovou o texto do PL 5.167/2009, apensado ao original de Hernandes e contrário ao casamento homoafetivo.
No texto do PL 5.167/2009, os ex-deputados José Paes de Lira (PTC-SP) e Lucínio Castelo de Assumção, mencionam que o não reconhecimento de uniões homoafetivas teria tanto “fortes argumentos sociais e de direitos humanos”.
Entre eles, os deputados citam uma publicação do Instituto Valenciano de Fertilidad, Sexualidad y Relaciones Familiares (IVAF) que daria “13 motivos contra o casamento gay”, além de dogmas religiosos, mencionando ao menos 4 versículos bíblicos em sua justificativa.
O que dizem os números?
De acordo com os dados do SEADE, no Estado de São Paulo, São Paulo, Campinas, Guarulhos, Ribeirão Preto, Sorocaba e Osasco são os municípios com maior número de casamentos já realizados desde 2013, quando Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça reconheceu o casamento civil homoafetivo e obrigou os cartórios a realizar a cerimônias.
Já Taboão da Serra registrou crescimento quase constante desde a publicação da Resolução, com maior crescimento entre 2020 e 2021, quando a cidade registrou variação positiva de cerca 61%, com 21 registros civis, contra 13 do ano anterior.
Os menores valores, no entanto, foram registrados em 2013, ano em que passou a valer a decisão do CNJ, e em 2016, ambos com 7 casamentos cada.
Entre 2021 e 2022, o crescimento foi de 14%, com 24 casamentos celebrados em Taboão. Até 20 de setembro desse ano, o número de casamentos homoafetivos já era igual ao de 2022, 24 cerimônias.
Além de registrar o número de casamentos realizados, o SEADE também acompanha outros dados relativos aos proponentes, como gênero, idade das partes, cidade de nascimento, estado civil e presença de filhos.
Os microdados do instituto, isto é, os dados mais detalhados que o SEADE possui, revelam que casamentos entre mulheres foram a maioria das celebrações entre 2017-2021. As informações, obtidas pela reportagem, mostram que, só em 2021, foram 14 casamentos femininos e 8 masculinos em Taboão.
Quanto a idade, a maior parte dessas pessoas se casou entre 30 e 34 anos de idade, tanto para homens quanto para mulheres.
No entanto, o perfil etário varia dentro de cada gênero, com as mulheres se casando, mais cedo que os homens: em média, 50% dos casamentos entre mulheres ocorreu entre os 28 e 29 anos, enquanto a mesma proporção dos deles se casou em uma janela um pouco maior, entre 31 a 34 anos de idade.
Essa diferença diminui quando analisada uma amostra menor dos registros, já que 25% dos casamentos tiveram noivas entre 23 e 26 anos. Entre os noivos, essa mesma amostra tinha entre 28 e 29 anos de idade.
O que estão dizendo?
Durante a sessão que discutiu o projeto no última terça-feira (10), o deputado Pastor Eurico deu início à leitura do seu relatório. Entre as razões apresentadas em seu texto, Eurico mencionou a criação de filhos como uma das razões para o projeto, destacando “valor pedagógico” de casamentos heterossexuais.
“[…] Crianças que crescem sobre a proteção de um casal homossexual são privadas do valor pedagógico e socializador da complementariedade natural dos sexo no seio da família”, disse o deputado na leitura do relatório.
Eurico também destacou outro valor “pedagógico” ao dizer que o reconhecimento civil de uniões homoafetivas não tem fim na constituição de novas famílias, mas visa uma mudança de consciência social por parte dos dos “defensores do casamento gay”.
“[O objetivo deles] é alcançar o efeito pedagógico de a sociedade ver essas relações com boas e positivas mudando a consciência social através de manipulação semântica de termos e conceitos para alcançar este objetivo puramente ideológico e antinatural”, completou Eurico em sua leitura.
O entendimento do relator foi acompanhado pelo deputado Marco Feliciano (PL-SP), que além de mencionar o que entende como “interferência” do STF, classificou o debate da oposição em torno do PL como um “atalho” do movimento movimento LGBT e seus defensores no Congresso Nacional para evitar o debate da pauta nos trâmites da Casa.
“[Se esses] deputados e senadores que apoiam tanto movimento LGBT […] tivessem feito [pelo] caminho certo, sem tomar atalhos, nós não estaríamos aqui…”, disse Feliciano.
Já a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) avaliou o projeto de lei em pauta como um “erro” por parte da Câmara, mencinando a versão do substitutivo apresentada na manhã do dia 10, que, segundo a deputada, poderia abrir margem para o “poliamor”. Elas fez crítica também à redação do projeto e à pressa com que foi apresentado o substitutivo.
“Eu só às vezes fico muito assustada de imaginar que nós tínhamos um texto que eu já achei absolutamente contraditório, e aí, minutos depois, a gente já tem um outro texto […]”, disse a deputada apontando para os problemas com a redação do projeto.
Também falando contra o PL, a deputada Eirka Hilton (PSOL-SP) repudiou o projeto e apontou seu caráter “problemático”, principalmente por relacionar homossexuais a doenças, além de fazer duras críticas ao relatório apresentado na sessão.
“Este relatório é abjeto, este relatório é um escárnio, este relatório está completamente calcado no ódio que reverbera pelas bocas de Vossas Excelências reunião após reunião”, disse a deputada.
Hilton também criticou o tema do projeto ao convocar outros deputados a “cuidar de outras questões” do país, ao invés de “atacar o direito de pessoas constituírem suas famílias”. A deputada ressaltou o uso da religião como forma de “mascarar” o ódio de outros deputados na sessão.
Saiba mais
O projeto de lei agora vai ser apreciado nas comissões de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial e de Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) antes de ir para votação no plenário da Câmara, restando ainda a votação no Senado e a sanção presidencial.
Os documentos, vídeos das sessões e a tramitação do do PL 580/2007 podem ser acessadas no site da Câmara dos Deputados.