11/09/2023

Crimes motivados por homofobia crescem no Brasil em 2 anos

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diversos estados registraram aumento no número de lesões corporais, homicídios e estupros de LGBTQIAPN+
João Gabriel Leite

O número de crimes mortes motivadas por homofobia e transfobia cresceram no Brasil entre 2021 e 2021, conforme levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Em 2022, Ceará e Pernambuco, na região Nordeste do país, ocupam a 1ª e 3ª colocação, respectivamente, em número de lesões corporais fruto de homofobia, com 540 casos, no primeiro e 435, no segundo. Minas Gerais, Sudeste do Brasil, esse tipo de crime registrou aumento de 9,8%, com 517 casos no mesmo ano.

Os estados do Nordeste também estão entre os que registraram os maiores números em homicídios dolosos com a mesma motivação, com 32 casos no Ceará e 30 em Pernambuco, primeiro e segundo colocados entre as 27 Unidades da Federação. Alagoas é o terceiro com 18 homicídio de mesma natureza.

O quadro de crimes motivados por homofobia voltou ao debate depois que o ator Victor Meyniel (26) foi foi agredido na portaria do prédio do médico Yuri de Moura Alexandre (28) há duas semanas, no sábado (2).

As agressões ocorreram após uma suposta fala de Victor, que teria exposto a sexualidade de Yuri em frente ao porteiro. O médico foi preso em flagrante por lesão corporal, falsidade ideológica e injúria por homofobia.

Por que isso é importante?

A homofobia é um termo que descreve a aversão, discriminação ou preconceito dirigido contra pessoas com orientações sexuais não heterossexuais, como a LGBTQIAP+, sigla que corresponde a orientações sexuais e identidades de gêncero de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais, queer, intersexo, assexuais, pansexuais e não-binários.

Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a homofobia é crime imprescritível e inafiançável no Brasil, conforme estabelecido pela Lei nº 7.716/89, letra legal que também pune a prática de discriminação racial.

Sede do Supremo Tribunal Federal iluminada com o arco-íris durante o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, mundialmente celebrado em 28 de junho de 2022. Divulgação (AMATRA1)

Para a população LGBTQIAPN+, a homofobia pode estar em mais de um lugar, é o que afirma uma pesquisa da Universidade de São Paulo, de 2015, publicada na revista Escola Anna Nery de Enfermagem. O estudo destaca que adolescentes LGBTQIAP+ diversas formas de violência, incluindo física, verbal, psicológica e sexual, ocorrendo em locais como a escola, família e comunidade:

“Ah, já teve muitos comentários de assédio, já teve propostas sexuais, muitas propostas sexuais, ofereciam muito dinheiro ‘não, muito obrigado'[…]. Eu era menor na época, depois de maior também aconteceu”, comentou o entrevistado A7 à pesquisa.

O estudo traz como resultados os impactos à saúde mental dos adolescentes, o que dificultaria a adoção de hábitos de vida saudáveis. Muitos dos entrevistados enfrentam baixa autoestima e possíveis ideias suicidas, com o acesso limitado aos serviços de saúde, o que agrava sua vulnerabilidade.

A homofobia também afeta a vida de LGBTQIAPN+ na escola. Em artigo publicado na Revista FT, doutores e mestres de universidades do Amazonas, Sergipe, São Paulo, Paraná Maranhão e Mato Grosso notificaram números maiores de evasão escolar em decorrência da homofobia.

No contexto escolar, a homofobia traz problemas no desenvolvimento da carreira escolar de alunos LGBTQIAPN+. Foto: Divulgação (Gov. de SP)
“[No caso de populações transsexuais e travestis]a falta de políticas públicas [… tanto] em âmbito local quanto nacional se torna um agravante nesse processo de abandono escolar, que entendemos que acontece motivado principalmente pela transfobia – seja essa de professores, colegas de classe ou da própria família”, concluem os pesquisadores.

Para os pesquisadores, que a homofobia estaria presente em vários aspectos da educação, incluindo relações professor-aluno, reuniões escolares, debates em sala de aula e interações que promoveriam a cultura heterossexual.

O que dizem os números?

De acordo com os dados do FBSP, estados como Minas Gerais, na Região Sudeste, e Ceará e Pernambuco, Nordeste do país, lideram os número de casos de lesão corporal fruto de homofobia, tanto em 2021 quanto em 2022. No entanto, Pernambuco é o estado com mais casos, porém com redução nas ocorrências no período.


O Anuário também fez o levantamento do número de estupros ocorridos por homofobia no mesmo recorte analisado. Pernambuco tem a maior cifra, 52 casos, uma redução de 5,5% em relação a 2021, em que registrou 55.

Já Ceará e Minas Gerais tiveram o segundo e o terceiro maior número de casos nos dois anos, com redução de 27,3% em Ceará, passando de 44 para 32 casos, enquanto o Minas Gerais teve 27 registros do crime em 2021e 2022.

Em termos de crescimento percentual, 5 estados tiveram crescimento maior de 100%: Roraima (700%), Amazonas (500%), Santa Catarina (300%), Espírito Santo(171,4%) e Tocantins (125%). O Pará teve 50% mais casos de estupros entre 2021, 2021.

Os estados do Nordeste também estão foram os que registraram os maiores números em homicídios dolosos com a mesma motivação nos dois anos. O Ceará teve aumento de 31 para 32 casos de 2021 para 2022, enquanto Pernambuco passou de 28 para 30. No mesmo período, Alagoas foi o estado com o 3º maior número, com 19 em 2021 e 18 no ano seguinte.

Ceará e Pernambuco também são os estados que tem maior concentração de homicidios dolosos em decorrência de homofobia, segundo a FBSP.

Embora retratem o aumento, em alguns estados, os dados levantados pelo FBSP podem não abarcar a situação como um todo.

Isso porque, em sua publicação de 2023 o Grupo Gay da Bahia (GGB) apontou a subnotificação de casos de violência motivada por homofobia ou transfobia. O grupo também monitora esses casos desde 1980 e destaca que, muitas vezes, a motivação do crime é omitida por jornalistas, policiais, delegados ou informantes, dificultando a contagem e a compreensão da situação.

Mais detalhes

Os dados sobre os crimes contra populações LGBTQIAPN+ foram compilados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma organização não-governamental que tem como objetivo central a construção de um ambiente de referência e cooperação técnica na área da segurança pública no Brasil.

Em seu site, a ONG descreve seu trabalho como voltado à promoção da transparência de dados sobre segurança pública e conta com membros de diferentes áreas, como pesquisadores, gestores públicos, policiais, operadores da justiça e representantes de organizações da sociedade civil, como Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e o Grupo Gay da Bahia (GGB).

O grupo baiano, inclusive, já foi alvo de ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2013, enquanto ainda era deputado federal pelo (PP). Na ocasião, Bolsonaro respondia perguntas sobre sua relação com o público LGBTQIAPN+ feitas pelo apresentador Zé Luiz, durante o programa da RedeTV!.

Bolsonaro afirmou que “a homofobia praticamente não existia” no país e colocou os dados sob suspeita uma vez que seria Luiz Mott, fundador do GGB e doutor em Antropologia, quem estaria a frente do trabalho de monitoramento de ataques à minoria no Brasil.

“[…quem] faz a relação dos atacados é o Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, que não é boa pessoa”, disse o então deputado deputado.

Embora o ex-presidente refute a ideia de ser homofóbico e de não ter “nada contra gays”, quando assumiu a Presidência, Bolsonaro nomeou a então pastora e hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reformulado a partir do Ministério dos Direitos Humanos de Michel Temer.

O ex-presidente também editou o Decreto nº 9.759/19, que extinguiu uma série de conselhos de políticas públicas, incluindo o Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT).

Bolsonaro durante a assinatura do decreto que flexibiliza o uso de armas no país. Foto: Divulgação (Palácio do Planalto)

O CNDC/LGBT teve atuação no fortalecimento e aprimoramento das políticas públicas destinadas à população LGBT no Brasil. Entre suas funções, estava a elaboração e apresentação de diretrizes de ações do governo federal para combater a discriminação e promover efetivamente os direitos LGBTQIAPN+.

Em reportagem para revista Época, o jornalista Guilherme Amado mostrou que o ministério comandado por Damaria havia gasto pouco mais de 4% do orçamento destinado a direitos LGBT – R$ 111,6 mil dos R$2,6 milhões previstos entre 1º de janeiro de 2020 até 7 de dezembro.

O que estão dizendo?

Em seus apontamentos para enfrentamento da situação, o documento divulgado pelo FBSP apontou para o desinteresse do Estado na tratativa da homofobia:

“Como de costume, o Estado demonstra-se não incapaz, porque possui capacidade administrativa e recursos humanos para tanto, mas desinteressado em endereçar e solucionar”, diz o documento

O FBSP continua, destacando o trabalho de outras ONG’s que fazem o monitoramento do número de mortes e agressões à comunidade LGBTQIAPN+:

[…] permanece fundamental comparar os dados oficiais aos produzidos pela sociedade civil, nas figuras dos relatórios anuais da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia (GGB), que seguem contabilizando mais vítimas que o Estado […]”

Em abril, o presidente Lula editou o Decreto nº 11.471/2023, que criou Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e Outras (CNLGBTQIA+).

Em entrevista cedida à Folha de São Paulo, Symmy Larrat Brito de Carvalho, que é Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, comentou sobre o conselho:

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Silvio Almeida, e a Secretaria da Promoção e Defesa das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, durante evento do Dia Nacional e Internacional de Enfrentamento à Violência Contra as Pessoas LGBTQIA+. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
“O conselho é o lugar da participação social, para que a gente tenha o ativismo LGBTQIA+ nos ajudando a construir políticas públicas e monitorando o nosso trabalho”, disse no início do ano.

Symmy Narrat é a primeira travesti a assumir uma secretaria nacional, já na gestão Lula, e agora coordena os trabalhos em torno de métodos de avaliação e colaboração das ações governamentais para os direitos LGBTQIA+.

O tema da homofobia também esteve na pauta de Brasília, já que na quinta-feira(6), a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados adiou a votação do PL 580/2007, que poderia invalidar o casamento homoafetivo.

Desde que assumiu a relatoria do PL 580, o deputado Pastor Eurico (PL-PE), refutou a redação de Clodovil, autor do projeto, que reconhecia a união de pessoas do mesmo sexo. Eurico optou pela redação dada pelos ex-deputados Paes de Lira (SP) e Capitão Assumção (ES), a qual afirmaria que “[em] termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.

Em discurso no 21 de junho, o deputado pernambucano prestou solidariedade aos católicos do Brasil, e criticou o que considera ataque aos símbolos religiosos feito por “homossexuais”:

O deputado Pastor Eurico (PL-PE), durante fala na tribuna da Câmara dos Deputados. Foto: Divulgação (Deputado Pastor Eurico)
Nós temos tido constantes ataques à fé religiosa, aos símbolos religiosos, por alguns que se dizem no direito de fazer o que querem, por serem pessoas que vivem como homossexuais. Nós os respeitamos. Não tenho nada contra pessoa nenhuma, afirmou o deputado.

O deputado já é conhecido por declarações polêmicas, como quando, em maio desse ano, chamou de “PL do capeta” o Projeto de Lei 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Saiba mais

Os dados podem ser acessados no site do Anuário de Brasileiro de Segurança Pública. Já PL 580/2007 pode ser acessado no site da Câmara dos Deputados. Os dados são públicos.