Mais de 790 crianças aguardam na fila de espera para ingressar na rede pública municipal de ensino de Taboão da Serra, de acordo com os dados obtidos com exclusividade pela tab_jornalismo, do painel informativo “Fila de Espera“, mantido pela Secretaria de Educação da cidade.
As informações mostram que grande parte da demanda se concentra nas modalidades de ensino Berçário e Berçário I, que atendem crianças de 4 meses a 2 anos de idade, com cerca de 364 crianças aguardando vaga. Entre essas crianças, pelo menos 4 nomes aguardam desde 2021, a maior espera registrada, conforme apurou a reportagem.
Em nota divulgada no dia 2 desse mês e republicada na imprensa local, a secretária de Educação, Dirce Takano, afirmou que a cidade havia zerado “a fila de espera para vagas de crianças a partir de três anos” e atendido a “90% da demanda para crianças de dois anos”, no entanto não mencionou o número de vagas geradas ou o total de crianças na fila.
As informações já haviam sido requisitadas pela reportagem da tab_jornalismo ao poder público via Lei de Acesso à Informação. Na ocasião, a Prefeitura respondeu ao pedido disponibilizando o mesmo site que já serve como painel e que não permitia a extração dos dados para análise.
No entanto, a reportagem conseguiu extrair os dados e acessar a tabela (confira na metodologia ao fim da página).
Por que isso é importante?
A falta de vagas em creches é um desafio em Taboão da Serra, onde mais de 36 mil alunos dependem da rede pública, incluindo 8,2 mil na Educação Infantil e Pré-escola, de acordo com Censo Escolar 2022.
Com uma população de 273.542 pessoas e 15,4 mil crianças abaixo dos 4 anos, divulgados pelo Censo 2022, a demanda de vagas de Taboão da Serra impacta principalmente mulheres.
No mesmo ano, no Brasil, entre as mães que tinham crianças de 0 a 1 anos de idade e fora da escola, 187,2 mil estavam desempregadas, de acordo com dados da PNAD Contínua, do IBGE. Nem ocupadas, nem trabalhando, são mais 1,8 milhão de mães, de acordo com a pesquisadora Janaína Feijo, pesquisadora Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
Entre os resultados da falta de políticas públicas que consolidem a oferta, a falta de vagas tem impacto econômico, principalmente sobre a renda dessas mães.
As mais afetadas, de acordo com a pesquisa, são as as mães negras, cujo rendimento per capita, ou seja, por membro de suas famílias é de R$651. Se forem mães de crianças de 2 a 3 anos de idade, esse valor cai para R$563, e se tiverem entre 4 a 5 anos, o valor é a ainda mais baixo: R$448.
O que dizem os números?
De acordo com os dados analisados pela reportagem da tab_jornalismo, o Berçário I, destinado a crianças entre 1 e 2 anos de idade, tem a maior quantidade de inscritos em espera em Taboão. São mais de 202 alunos aguardando por uma vaga, dos quais 106 são meninos. Se contados junto com o Berçário, que atende crianças de 0 a 11 meses, são 361 crianças aguardando.
A escola com maior fila é a PAC Santa Terezinha I, com 117 crianças esperando para realizar matrícula na unidade, sendo 60 deles meninos. Eles também são 52 dos 94 inscritos que aguardam vaga no PAC Lar São Pedro Apóstolo, a segunda com maior fila.
A maioria masculina se repete em mais de uma modalidade de ensino: eles também são a maioria dos nomes inscritos na fila de espera no Berçário I (52,5%), mini-maternal (54,1%), maternal (54,7%) e Jardim I (55,2%). Já as meninas são maioria dos que aguardam por vagas no Berçário (54,7%) e no Jardim II (57,5%).
A fila de espera vista através dos bairros da cidade mostra que 67% das vagas (530 inscritos) está localizada na região com menor renda como Jardim Record, com R$1,5 mil mensais, de acordo com Censo 2010, corrigidos pela Inflação. O bairro tem 192 crianças a espera por vagas em diferentes modalidades de ensino, sendo 102 no Programa de Atendimento à Criança (PAC), que cuidam de Berçário I e II.
Outro bairro com alta demanda é o Jardim Maria Rosa que tem 118 inscritos na lista de espera na unidade do PAC Santa Terezinha I. A localidade, no entanto, é a que mais concentra renda na cidade, com renda mediana calculada em R$3,2 mil, também em valores corrigidos.
O que estão dizendo?
Em artigo publicado na Revista Internacional de Debates da Administração Pública (RIDAP), a supervisora de ensino Elenívea G. de Oliveira e a Prof. Dra. Luciana Portilho ressaltam a importância da creche para a comunidade, especialmente para quem depende do serviço para trabalhar.
“[….] esta etapa [Ensino Infantil] e estes espaços, são muito importantes para o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças e principalmente para as famílias que diretamente dependem destes espaços para acolherem seus filhos durante as suas jornadas de trabalho” escrevem.
As pesquisadoras também destacam a ausência de políticas públicas como agravante da situação sobre a disponibilidade de vagas.
“[…] muitos municípios não possuem uma política pública consequente e responsável voltada para a criação constante de vagas, principalmente nas regiões mais necessitadas, não fazendo um planejamento a partir da coleta de dados de sua demanda”, completam.
Quanto ao atendimento prestado no Ensino Infantil, elas enfatizam o caráter inclusivo da creche. Para elas,
“[…] um conceito de escola de qualidade é a que resgata a idéia de sociedade inclusiva […] a de que ‘as pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza'”.
Além de sua função na vida dos munícipes, os professores doutores Manoel Lemes da Silva Neto e Thiago Carandina, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, apontam para a localização das creches e seu impacto na organização do espaço urbano. Em seu artigo, publicado na revista urbe, os pesquisadores destacam que,
“[…] o lugar de implantação de uma creche é na vizinhança, onde moram as famílias. Na melhor tradição urbanística, na unidade de vizinhança.”
A publicação é uma análise espacial das creches da cidade de Vinhedo (SP) e sugere, para atender a demanda, o desenvolvimento de projetos de infraestrutura integrados em níveis estadual, regional e sub-regional, implementados por políticas territoriais, como o Plano Diretor do Municipio.
“[As políticas territoriais] podem maximizar o investimento público na construção e manutenção das edificações e na relação custo/benefício/justiça social ao atender multidões”, afirmam.
Em Taboão da Serra, além de 30 escolas municipais, ao menos 11 (23,91%) unidades do Programa de Atendimento à Criança (PAC) têm fila de espera. O programa foi instituído pelo ex-prefeito Armando Andrade (PTB) em 1991, e previa atender “aos eventuais excessos da demanda de vagas no ensino pré-escolar”.
A última inaugurada foi o PAC São Francisco de Assis, no Jardim Trianon, feita pela gestão de José Aprígio (Podemos), administrada pela associação Cáritas Diocesana de Campo Limpo e, conforme apurou a tab_jornalismo, tem 6 crianças computadas na fila.
Em comentário, a secretária de Educação de Taboão da Serra, Dirce Nakano, atribuiu a alta demanda em certas localidades da cidade à escolha dos próprios responsáveis por determinada unidade sem vagas em detrimento das apontadas pela secretaria.
“As vagas em espera, de acordo com a secretária, ocorre em grande parte, devido à preferência dos pais ou responsáveis por unidades escolares específicas que, por sua vez, não dispõem de vagas imediatas […] A Secretaria de Educação (Seduc) segue o critério de encaminhamento dos alunos para escolas localizadas em um perímetro de até 2km de suas residências”, diz o texto oficial.
Porém, quando perguntada sobre a quantidade de vagas disponíveis no sistema público de ensino e a oferta de novas vagas, a Prefeitura de Taboão da Serra não forneceu as informações ou se existe algum projeto em andamento para a construção de novas creches ou ampliação das existentes.
Igualmente, a Prefeitura de Taboão da Serra não respondeu as questões da reportagem da tab_jornalismo sobre quais são os investimentos previstos para melhorar a infraestrutura das unidades da cidade.
O poder público tampouco confirmou quais foram as estratégias adotadas pela Secretaria de Educação para atender a 90% da demanda para crianças de dois anos, descrita na nota, e qual era a quantidade de inscritos na fila antes da ação. O convite continua aberto.
Saiba mais
Os dados obtidos pela reportagem está disponíveis nesse link. Eles são públicos, gratuitos e acessíveis a qualquer pessoa física ou jurídica.
Metodologia
A reportagem da tab_jornalismo obteve o link com os dados da reportagem via Lei de Acesso de Informação, porém, a plataforma é de software privado, e não permitia a extração das informações. Assim, foi necessário copiar e checar manualmente a lista, e inseri-la em um programa de edição de tabelas.
Após isso, a análise dos dados foi feita com uso de linguagem de programação Python, através da biblioteca pandas, em ambiente digital de programação gratuito oferecido pelo Google Colab.
Por meio dessas ferramentas foi possível:
- Acessar a lista completa em formato de banco de dados digital
- Analisar possíveis repetições nos nomes listados pela Prefeitura, uma vez que cada responsável aponta até três unidades escolares por inscrito
- Realizar a atribuição do bairro por meio de junção de tabela com os endereços oficiais
- Atribuir e checar os gêneros do primeiro nome dos inscritos por meio de modelo generativo (inteligência artificial) que realiza esse tipo de identificação de palavras
- Contar os nomes únicos da lista por data de inscrição, ano e unidade escolar
- Realizar os agrupamentos de bancos de dados únicos, como os apresentados nessa reportagem